RESUMO
Lançado num período crucial de reconstrução global pós-Segunda Guerra Mundial, o relógio de pulso Audemars Piguet equipado com o Calibre 9ML não foi apenas um instrumento de medição do tempo, mas uma declaração audaciosa de elegância e superioridade técnica. Posicionado no pináculo absoluto da categoria 'dress watch' (relógio social), este modelo destinava-se a uma clientela aristocrática e à elite financeira que valorizava a discrição suprema sob o punho de uma camisa bem cortada. A filosofia de design era o minimalismo extremo, impulsionado pela necessidade técnica de acomodar o movimento mecânico mais fino do mundo na época. Ao contrário da tendência utilitária dos relógios militares dos anos anteriores, esta peça marcou o retorno ao luxo civil e à arte da miniaturização. A sua importância na horologia é imensurável, pois estabeleceu a Audemars Piguet como a autoridade incontestada em calibres ultra-planos, uma linhagem de ADN que permearia as criações da marca pelas décadas seguintes, incluindo a base para os movimentos do futuro Royal Oak. É um relógio que transcende a função para se tornar uma maravilha da engenharia mecânica, representando a vitória da delicadeza sobre a massa.
HISTÓRIA
A história do Audemars Piguet equipado com o Calibre 9ML em 1946 é um capítulo fundamental na narrativa da 'Haute Horlogerie' do século XX. Após a Grande Depressão e os anos sombrios da Segunda Guerra Mundial, a indústria suíça necessitava de inovação para reacender o desejo pelo luxo. Enquanto muitas marcas focavam na robustez e na cronometragem desportiva, a Audemars Piguet, sob a direção técnica das famílias fundadoras, voltou-se para um desafio de engenharia microscópica: a espessura. A criação do Calibre 9ML não foi apenas uma evolução; foi uma rutura de barreiras. Com apenas 1,64 mm de espessura, este movimento manual reclamou o título de mecanismo de relógio de pulso mais fino do mundo no ano do seu lançamento.
Para contextualizar, a engenharia necessária para produzir componentes funcionais — rodas, pontes e um escapamento — dentro de tais tolerâncias verticais exigia uma mestria que poucas 'Maisons' possuíam. O risco de empenamento das pontes ou de falta de torque na mola principal era elevado, mas a AP solucionou estes problemas com uma arquitetura de movimento brilhante e materiais de qualidade superior. O 9ML serviu como um predecessor direto e a base técnica para o lendário Calibre 2003, lançado posteriormente em 1953 em colaboração com a Jaeger-LeCoultre e a Vacheron Constantin, que manteria as mesmas dimensões recordistas por décadas.
Visualmente, os relógios que abrigavam o 9ML eram o epítome do 'Calatrava style' (embora este termo pertença à Patek, a estética era universal na alta relojoaria): caixas redondas perfeitas, lunetas finas e mostradores despoluídos. Ao longo das décadas, o legado deste modelo de 1946 solidificou a reputação da AP como a mestre dos relógios extra-planos. Esta obsessão pela espessura culminaria, nos anos 70, no desenvolvimento do Calibre 2120/2121 automático, o motor do Royal Oak original. Portanto, sem o sucesso e a audácia do 9ML de 1946, a identidade moderna da Audemars Piguet e a sua capacidade de combinar robustez desportiva com elegância sutil poderiam nunca ter existido da mesma forma. Para os colecionadores, encontrar um exemplar original de 1946 com o 9ML é descobrir o 'Génesis' da relojoaria ultra-fina moderna.
CURIOSIDADES
O Calibre 9ML de 1,64 mm era tão fino que a sua espessura era comparável à de uma moeda europeia da época, desafiando a crença de que tal mecanismo poderia ser robusto o suficiente para uso diário.
Este movimento deteve o recorde de espessura por um período considerável, posicionando a Audemars Piguet à frente de rivais históricos como a Patek Philippe e a Vacheron Constantin na corrida pela miniaturização.
Devido à extrema dificuldade de montagem e regulação, a produção anual destes relógios em 1946 era limitadíssima, muitas vezes na casa das dezenas, tornando-os extremamente raros em leilões atuais.
O sucesso do 9ML foi crucial para a recuperação financeira da Audemars Piguet no pós-guerra, provando que havia um mercado faminto por sofisticação técnica extrema.
Na comunidade de colecionadores, estes modelos são frequentemente referidos simplesmente como 'The 1946 Ultra-Thin', dada a ausência de nomes de marketing modernos como 'Royal Oak' naquela era.
Alguns exemplares foram vendidos pela Cartier ou pela Tiffany & Co., apresentando mostradores com dupla assinatura, o que aumenta exponencialmente o seu valor de mercado.