RESUMO
Num período dominado pela iminente 'Crise do Quartzo', onde a precisão eletrónica ameaçava tornar a mecânica obsoleta, a Audemars Piguet tomou uma decisão audaciosa e contracorrente por volta de 1970: reviver a antiga arte da esqueletização (ou 'ajourage'). Este relógio não foi apenas um instrumento de cronometragem, mas uma declaração de princípios, posicionando a AP no pináculo do mercado de ultra-luxo e dress watches. Destinado a uma elite de colecionadores e connoisseurs que valorizavam a estética e o trabalho manual sobre a mera utilidade, este modelo transformou o movimento mecânico numa escultura cinética. Ao remover o mostrador e expor as entranhas do calibre, a manufatura de Le Brassus demonstrou que o valor de um relógio suíço residia na mão humana, no acabamento requintado e na tradição secular. O design, tipicamente alojado em caixas redondas clássicas de metais preciosos, serviu como uma vitrine para a mestria técnica, onde pontes e platinas eram reduzidas ao seu limite estrutural e gravadas à mão. Esta peça é fundamental na história da horologia, pois marca o momento em que o relógio mecânico deixou de ser uma ferramenta necessária para se tornar uma obra de arte aspiracional.
HISTÓRIA
A história dos relógios de pulso esqueletizados da Audemars Piguet, particularmente os introduzidos por volta de 1970, representa um dos capítulos mais vitais na sobrevivência da alta relojoaria mecânica. Antes desta data, a esqueletização era uma técnica rara, reservada para peças únicas ou relógios de bolso de grande complicação. No entanto, com a chegada da tecnologia de quartzo do Japão e dos EUA, que oferecia precisão inigualável a uma fração do custo, as casas suíças enfrentaram uma crise existencial. A resposta da Audemars Piguet não foi competir na precisão, mas na emoção e na arte.
Sob a direção visionária da época, a AP decidiu industrializar a arte da esqueletização em pequenas séries, algo inédito. O foco recaiu sobre os seus movimentos lendários: o ultra-fino Calibre 2003 (corda manual) e o icónico Calibre 2120 (o movimento automático com rotor central mais fino do mundo na altura, desenvolvido com a Jaeger-LeCoultre e também usado pela Patek Philippe e Vacheron Constantin). O processo envolvia mestres artesãos que perfuravam as platinas e pontes, serrando cuidadosamente o metal excedente até que restasse apenas o esqueleto estrutural essencial. As superfícies restantes eram então cinzeladas com motivos florais ou arabescos intrincados, e as arestas recebiam um 'anglage' (biselamento) manual perfeito.
Esta reintrodução em 1970 definiu o tom para a marca nas décadas seguintes. Enquanto outros faliam ou mudavam para baterias, a AP duplicou a aposta no luxo tangível. Estes modelos 'dress watch' redondos e finos evoluíram para se tornarem a base da coleção 'Classique' e pavimentaram o caminho para a eventual introdução da versão esqueletizada do Royal Oak na década de 1980. O sucesso destes modelos provou que os colecionadores estavam dispostos a pagar um prémio significativo não pela função, mas pela beleza arquitetónica do movimento. Hoje, estas peças de 1970 são reverenciadas não apenas como relógios, mas como os salvadores filosóficos da marca, demonstrando que a transparência mecânica era a derradeira forma de honestidade e luxo.
CURIOSIDADES
A técnica de esqueletização da AP nesta era exigia remover até 50% a 70% do metal original do movimento sem comprometer a sua integridade estrutural.
Um único artesão podia levar várias semanas apenas para terminar a decoração e gravação das pontes de um único calibre 2120 esqueletizado.
O Calibre 2120 utilizado nestes modelos é famoso pelo seu rotor com um trilho de berílio circular, que permite que a massa oscilante gire com estabilidade apesar da espessura mínima.
Estes modelos não possuíam nomes comerciais como 'Royal Oak' na época; eram referidos pelos seus números de referência e simplesmente como 'Squelette' ou 'Skeleton'.
Embora raros, existem exemplares desta época onde os índices das horas eram diamantes engastados diretamente nas pontes ultra-finas do movimento.
A Audemars Piguet detém o recorde de maior número de calibres esqueletizados produzidos em série e inovou ao criar escolas dedicadas a ensinar esta arte quase perdida nos anos 70.
Celebridades e realeza da época encomendavam estas peças frequentemente como 'Pièce Unique', tornando a catalogação exata de todas as variantes um desafio para historiadores.