RESUMO
Lançada sob os auspícios de uma nova era, a coleção Audemars Piguet Millenary surgiu em 1995 como uma ousada declaração de intenções, posicionando-se deliberadamente fora da sombra imponente do Royal Oak. Enquanto o mundo da relojoaria se preparava para a virada do milênio, a manufatura de Le Brassus procurou capturar o espírito do tempo através de uma geometria neoclássica e disruptiva. O Millenary não foi concebido como um 'tool watch' nem como um relógio de mergulho, mas sim como uma peça de distinção social e artística, destinada a um público erudito que valorizava a arquitetura tanto quanto a mecânica. A sua filosofia de design rompeu com a onipresença da caixa redonda, adotando uma forma oval horizontal que evocava o Coliseu de Roma e a perspectiva tridimensional. No mercado, o Millenary de 1995 estabeleceu-se como uma alternativa sofisticada de 'dress watch', preenchendo a lacuna entre o conservadorismo da linha Jules Audemars e a brutalidade industrial do Royal Oak. Ele representa a capacidade da Audemars Piguet de inovar na forma, oferecendo uma tela ampla que, nas décadas seguintes, se tornaria o palco para algumas das complicações e esqueletizações mais impressionantes da marca. A peça é significativa não apenas pela sua estética 'avant-garde', mas por provar que a identidade da AP poderia transcender o octógono de Genta.
HISTÓRIA
A gênese do Audemars Piguet Millenary remonta a um período de introspecção e antecipação. Em 1995, com o terceiro milênio batendo à porta, a indústria relojoeira suíça estava em pleno renascimento pós-crise do quartzo. A Audemars Piguet, embora desfrutasse de um sucesso estrondoso com o Royal Oak, sentia a necessidade estratégica de diversificar o seu portfólio para não se tornar refém de um único design. A inspiração para o Millenary não surgiu do nada; ela foi sutilmente derivada de um antigo relógio de bolso oval da década de 1950, encontrado nos arquivos da marca. No entanto, a reinterpretação de 1995 foi radicalmente moderna.
O lançamento original focou-se na pureza da forma elíptica horizontal. Diferente da 'Ellipse d'Or' da Patek Philippe, que seguia a Proporção Áurea de forma vertical e estática, o Millenary apresentava uma largura expansiva que abraçava o pulso com uma ergonomia surpreendente. Os primeiros modelos, como a Referência 14908, eram exercícios de elegância contida. Os mostradores brincavam com a perspectiva, utilizando numerais romanos que se alongavam e encolhiam, criando uma sensação de movimento mesmo quando o relógio estava estático. Esta abordagem de design 'avant-garde' foi um risco calculado, visando colecionadores que achavam o Royal Oak demasiado agressivo e o Jules Audemars demasiado tradicional.
À medida que a coleção evoluía, o Millenary transformou-se de um relógio de vestuário peculiar em uma vitrine de proeza técnica tridimensional. Enquanto os modelos de 1995 escondiam seus movimentos atrás de mostradores clássicos, as gerações subsequentes (especialmente a partir dos anos 2000 e com o advento da Ref. 4101) começaram a descentralizar o mostrador das horas para a direita, revelando o órgão regulador e a ponte do balanço à esquerda, na frente do relógio. Esta evolução validou o conceito inicial de 1995: a caixa oval não era apenas uma escolha estética, mas um palco anfiteatral que permitia uma arquitetura de movimento impossível em caixas redondas convencionais.
O Millenary também serviu como base para algumas das maiores inovações da AP, incluindo o escape de impulso direto e colaborações de alto perfil com a Maserati (o Millenary MC12). No entanto, o modelo de 1995 permanece o 'Marco Zero', o momento fundamental em que a Audemars Piguet declarou que o futuro da relojoaria não precisava ser, necessariamente, redondo ou octogonal. Ele solidificou a posição da marca como uma das 'Big Three' capaz de ditar tendências, e não apenas segui-las, combinando a *Haute Horlogerie* clássica com uma sensibilidade de design futurista.
CURIOSIDADES
O nome 'Millenary' foi escolhido especificamente para marcar a contagem regressiva para o ano 2000, simbolizando uma ponte entre a tradição do século XX e o futuro do século XXI.
O lendário enxadrista Garry Kasparov foi um dos embaixadores mais notáveis desta linha, frequentemente visto usando um Millenary Chronograph durante suas partidas e eventos, associando o modelo à inteligência estratégica.
A coleção Millenary serviu de base para o 'Cabinet No. 5', uma peça histórica que apresentava o escape da Audemars Piguet (AP Escapement), uma inovação técnica que dispensa lubrificação, inspirada no escape de Robin do século XVIII.
Existe uma edição ultra-limitada 'Maserati MC12 Tourbillon Chronograph' baseada na caixa Millenary, feita de platina e carbono, que é uma das peças mais cobiçadas pelos colecionadores de 'Racing Watches' de alta relojoaria.
A forma oval do Millenary é notoriamente difícil de selar, tornando a engenharia de resistência à água e o encaixe do cristal de safira um desafio técnico significativamente maior do que em relógios redondos.
O produtor musical Quincy Jones também teve uma edição especial do Millenary dedicada a ele, caracterizada pela caixa em aço enegrecido e detalhes que evocam as teclas de um piano.
Embora hoje seja famoso pelos mostradores descentralizados e movimentos expostos, os modelos originais de 1995 são raros exemplos de 'Sleepers' no mercado, oferecendo a qualidade AP a um preço acessível comparado aos Royal Oak.