RESUMO
O Breguet No. 2516, imortalizado pela sua proveniência associada ao renomado colecionador Jean Dollfus, reside no panteão da Alta Relojoaria como um artefato de importância histórica incalculável. Longe de ser apenas um instrumento de cronometragem, esta peça representa um divisor de águas na evolução técnica da horologia: a transição definitiva da complexidade dos relógios de bolso para a arquitetura miniaturizada do pulso. Enquanto o mercado da época ainda via o relógio de pulso como uma novidade ou um acessório utilitário militar, a Breguet, fiel ao espírito inovador do seu fundador Abraham-Louis, concebeu uma obra-prima de sofisticação mecânica inigualável. Posicionado no ápice absoluto do luxo sob medida da era Art Déco, este relógio não foi desenhado para as massas, nem mesmo para o aristocrata comum, mas sim para o verdadeiro 'connoisseur' que compreendia a proeza técnica necessária para reduzir um mecanismo de calendário perpétuo a um calibre de 10 linhas. Sua filosofia de design equilibra a austeridade estética dos anos 30 com a legibilidade funcional, estabelecendo o padrão para o que viria a ser a categoria de 'Grande Complication' em relógios de pulso. Ele é, em essência, a prova física de que a elegância e a complexidade astronômica poderiam coexistir confortavelmente no pulso humano.
HISTÓRIA
A história do Breguet No. 2516 é, simultaneamente, um capítulo de resistência econômica e um triunfo da engenharia. Fabricado em 1929, ano marcado pelo colapso de Wall Street e o início da Grande Depressão, este relógio surgiu num momento em que o luxo supérfluo estava em declínio vertiginoso. No entanto, a Breguet manteve a sua busca pela perfeição técnica. O cerne da importância histórica do No. 2516 reside na sua arquitetura de movimento. Até aquele momento, os poucos relógios de pulso com calendário perpétuo existentes eram, na sua maioria, movimentos de relógios de bolso femininos ou de pingentes adaptados, com as asas soldadas à caixa ('officer style'). O No. 2516 desafia essa narrativa sendo amplamente reconhecido por historiadores e pela própria casa Breguet como o primeiro calendário perpétuo cujo movimento foi projetado e construído especificamente para a geometria e as restrições físicas de um relógio de pulso.
Embora fabricado em 1929, o relógio permaneceu no inventário da manufatura até 1934, ano em que foi vendido a Monsieur Jean Dollfus, um titã entre os colecionadores de relógios do século XX. A aquisição por Dollfus não foi um acaso; ele era conhecido por exigir o impossível das manufaturas, e o No. 2516 atendeu a esse desejo. O design reflete a transição estética dos anos 20 para os 30, abandonando o barroco excessivo por linhas mais limpas, típicas do Art Déco, mas mantendo a identidade visual clássica da Breguet com seus ponteiros 'Pomme' e tipografia sóbria.
Durante décadas, este modelo permaneceu como uma lenda sussurrada entre especialistas, uma peça única ('pièce unique') que não gerou uma linha de produção em massa imediata devido à complexidade e custo de fabricação. Não houve 'gerações' subsequentes diretas na época; ele foi um farol solitário de inovação. Sua existência provou que a complicação suprema do calendário perpétuo — capaz de calcular os ciclos de 4 anos e meses de 28, 30 ou 31 dias — era viável em formato miniatura sem sacrificar a elegância. O impacto do No. 2516 na indústria foi retardatário, mas profundo; ele estabeleceu o precedente técnico que permitiria, décadas mais tarde, o renascimento da relojoaria mecânica e a corrida pelas 'Grandes Complicações' de pulso que definiram o mercado de luxo moderno.
CURIOSIDADES
Proveniência Real e Elite: O comprador original, Jean Dollfus, foi um dos colecionadores mais proeminentes da história, e a presença de seu nome na genealogia do relógio aumenta exponencialmente seu valor histórico.
O Debate do 'Primeiro': Enquanto a Patek Philippe reivindica o primeiro relógio de pulso com calendário perpétuo (No. 97.975), este era um movimento de relógio de pingente adaptado. O Breguet No. 2516 detém a distinção purista de ser concebido especificamente para o pulso desde o esboço inicial.
Recorde em Leilão: Quando reapareceu no mercado em um leilão da Christie's em Genebra (2011), foi arrematado por 475.000 CHF, um valor extraordinário para a época, reafirmando seu status de troféu.
Layout Incomum: Diferente dos calendários perpétuos modernos que frequentemente mostram o ciclo do ano bissexto no mostrador, o No. 2516 mantém uma elegância discreta, escondendo a complexidade do ciclo de 4 anos dentro do mecanismo, exibindo apenas o essencial.
Ouro Branco Raro: A escolha de ouro branco 18k em 1929/1934 era altamente incomum e vanguardista, já que a maioria das peças de alta complexidade da época era produzida em ouro amarelo ou platina.
Silêncio de Cinco Anos: O fato de ter sido fabricado em 1929 mas vendido apenas em 1934 ilustra as dificuldades econômicas da Grande Depressão, onde até mesmo obras-primas aguardavam anos pelo comprador certo.