RESUMO
O Patek Philippe Calatrava Ref. 96 não é meramente um relógio; é o marco zero do relógio de pulso social como o conhecemos hoje. Lançado em 1932, num momento de profunda incerteza econômica global e transição corporativa para a Patek Philippe, o Ref. 96 surgiu como uma resposta audaciosa baseada na pureza do design. Posicionado no ápice da hierarquia horológica, este modelo foi concebido para o cavalheiro distinto, transcendendo modismos passageiros através de uma estética de austeridade luxuosa. Inspirado nos princípios da escola Bauhaus, onde a 'forma segue a função', o Calatrava Ref. 96 rejeitou os ornamentos excessivos do Art Déco vigentes na época em favor de linhas limpas, legibilidade absoluta e uma integração harmoniosa entre a caixa e as alças. Para o colecionador moderno e o historiador, o Ref. 96 representa a cristalização da identidade da Patek Philippe sob a gestão da família Stern. Ele estabeleceu o padrão ouro para o 'dress watch' redondo de três ponteiros, criando uma linguagem visual que permanece praticamente inalterada há quase um século. Sua importância reside não apenas na sua mecânica superlativa, mas na sua capacidade de transformar a necessidade financeira em um triunfo artístico, solidificando a reputação da Patek Philippe como a guardiã da alta relojoaria tradicional.
HISTÓRIA
A história do Patek Philippe Calatrava Ref. 96 é intrinsecamente ligada à própria sobrevivência da manufatura genebrina. O ano era 1932, e o mundo cambaleava sob os efeitos devastadores da Grande Depressão. A Patek Philippe, apesar de sua reputação estelar, enfrentava uma crise financeira existencial que ameaçava encerrar suas operações. A salvação veio através dos irmãos Jean e Charles Stern, proprietários de uma renomada fábrica de mostradores, que adquiriram a empresa. Eles compreenderam imediatamente que, para garantir o futuro da marca, precisavam de um novo modelo emblemático: um relógio que fosse mais acessível que as grandes complicações, mas que mantivesse a excelência intransigente da casa. O resultado foi o Ref. 96.
Desenhado pelo horologista inglês David Penney, o Ref. 96 foi uma ruptura radical com o passado. Enquanto os anos 20 foram dominados por caixas retangulares (como o Gondolo) e floreios artísticos, Penney olhou para a filosofia da Bauhaus alemã. A instrução era clara: a função de medir o tempo ditaria a forma. O resultado foi uma caixa redonda perfeita, refletindo a circularidade do movimento do tempo, com alças que não eram soldadas como acessórios, mas fluíam organicamente da própria caixa, afilando-se suavemente para abraçar o pulso. Esta integração das alças foi revolucionária e definiu a silhueta do relógio de pulso moderno.
Mecanicamente, o Ref. 96 abrigou, durante a maior parte de sua longa produção, o lendário calibre 12'''120. Este movimento de corda manual de 12 linhas era robusto, preciso e belamente acabado, estabelecendo a reputação da Patek Philippe de confiabilidade técnica em relógios de pulso. Ao longo de sua produção, que se estendeu incrivelmente até 1973, o Ref. 96 viu inúmeras variações de mostrador, desde os clássicos marcadores de bastão até os cobiçados 'Sector Dials' científicos e numerais Breguet, tornando-se um campo minado e fascinante para colecionadores que buscam raridades específicas.
Mais do que um produto, o Ref. 96 introduziu o sistema de numeração de referências na Patek Philippe. Antes dele, os relógios eram muitas vezes identificados apenas pelo número do movimento ou da caixa. O '96' tornou-se sinônimo de design atemporal. Ele gerou uma linhagem direta — o 'D.NA. Calatrava' — que passou pelo Ref. 3796 nos anos 80, o Ref. 5196 na era moderna, e o atual Ref. 6119. O legado do Ref. 96 é incalculável; ele não apenas salvou a Patek Philippe da falência, mas estabeleceu o vocabulário visual para o que consideramos hoje como elegância discreta.
CURIOSIDADES
Apesar de hoje 31mm ser considerado pequeno, em 1932 era um tamanho padrão e robusto para homens, apelidado carinhosamente de 'Moeda' devido ao perfil de sua caixa.
Este foi o primeiro modelo da Patek Philippe a receber um Número de Referência oficial, inaugurando o sistema de catalogação usado até hoje.
O nome 'Calatrava' não foi usado oficialmente no mostrador ou marketing inicial do Ref. 96; o nome vem da Cruz de Calatrava, símbolo da ordem de cavaleiros espanhóis do século XII, registrada como marca pela Patek em 1887.
Existem versões do Ref. 96 em aço inoxidável ('Staybrite'), que são paradoxalmente muito mais valiosas que as versões em ouro devido à sua extrema raridade e procura por colecionadores puristas.
O Ref. 96 permaneceu em produção por mais de 40 anos (1932-1973), uma das corridas de produção mais longas da história da relojoaria para uma única referência base.
O Imperador Pu Yi, o último imperador da China, possuía um Calatrava Ref. 96 (com calendário triplo, uma variação raríssima Quantieme Lune) que foi leiloado por uma quantia recorde em 2023.
Os mostradores 'Sector' ou 'Scientific' no Ref. 96 são considerados o 'Santo Graal' deste modelo, alcançando preços astronômicos em leilões internacionais.