RESUMO
O Zenith El Primero Referência A386 não é apenas um relógio; é um marco sísmico na história da horologia mecânica, representando o ápice da engenharia suíça no final da década de 1960. Lançado em meio à acirrada 'corrida pelo cronógrafo automático', este modelo distingue-se não apenas pela sua primazia técnica, mas por estabelecer uma estética que se tornaria a assinatura visual da manufatura de Le Locle. Posicionado originalmente para um público que exigia precisão sem precedentes — pilotos, engenheiros e desportistas de elite — o A386 oferecia a capacidade única de medir o tempo com precisão de um décimo de segundo, graças à sua frequência de 5 Hz. Diferente dos seus irmãos contemporâneos, o A384 e o A385, que possuíam caixas em formato 'tonneau', o A386 apresentava uma caixa redonda clássica com asas retas e finas, tornando-o instantaneamente mais elegante e versátil, transitando perfeitamente entre o uso desportivo e o formal. O seu design de mostrador, com os lendários subregistadores sobrepostos em três tons (cinza claro, antracite e azul), rompeu com a monotonia monocromática da época, oferecendo legibilidade e um estilo inconfundível. Hoje, é reverenciado como a planta baixa do cronógrafo moderno integrado, um objeto de desejo que simboliza a resistência da relojoaria tradicional face à crise do quartzo.
HISTÓRIA
A história do Zenith El Primero Ref. A386 é o conto épico de uma ambição técnica que quase desapareceu, apenas para renascer como lenda. O desenvolvimento começou em 1962, com a Zenith visando celebrar o seu centenário em 1965 com o primeiro cronógrafo automático do mundo. No entanto, a complexidade de integrar um mecanismo de corda automática com um cronógrafo de roda de coluna operando a uma frequência insana de 36.000 vph (o dobro do padrão da época) atrasou o projeto em quatro anos. Em 10 de janeiro de 1969, a Zenith finalmente anunciou o 'El Primero' (O Primeiro), vencendo tecnicamente o consórcio Heuer/Breitling/Hamilton-Buren e a Seiko na corrida pelo anúncio público de um protótipo funcional integrado, embora a disponibilidade comercial tenha sido disputada.
O A386 foi lançado como a capitânia da trilogia inaugural. Enquanto o A384 oferecia uma estética brutalista dos anos 70, o A386 foi desenhado com uma sensibilidade intemporal. A produção do A386 original foi extremamente limitada, estimada em apenas 2.500 unidades produzidas entre 1969 e 1971, divididas em três iterações principais (Marks) distinguíveis principalmente pelos fundos da caixa (liso vs. estrela NATO). O que torna este modelo sagrado, contudo, é a sua quase extinção. Durante a Crise do Quartzo na década de 1970, os novos proprietários americanos da Zenith ordenaram a destruição de todo o maquinário mecânico para focar na produção de relógios a bateria. Foi o relojoeiro Charles Vermot quem, num ato de rebeldia silenciosa, escondeu as prensas, moldes e planos do A386 e do Calibre 3019 PHC no sótão da fábrica.
Graças a Vermot, a Zenith pôde retomar a produção do movimento nos anos 80 (inicialmente para a Ebel e depois, famosamente, para o Rolex Daytona Ref. 16520), salvando a empresa. O A386 original, portanto, não é apenas um relógio bonito; é o sobrevivente de uma era. A sua reedição e as homenagens subsequentes solidificaram o status do mostrador tricolor como o rosto da marca. O modelo estabeleceu o padrão de ouro para cronógrafos desportivos de luxo, provando que um movimento de alta complexidade poderia ser robusto o suficiente para uso diário e preciso o suficiente para a cronometragem profissional.
CURIOSIDADES
O Calibre 3019 PHC batia tão rápido (10 impulsos por segundo) que exigiu o desenvolvimento de lubrificantes especiais a seco, pois os óleos tradicionais seriam centrifugados para fora do escapamento.
A Rolex utilizou uma versão modificada deste movimento (rebatizado de Calibre 4030) para o seu Cosmograph Daytona de 1988 a 2000, embora tenham reduzido a frequência para 28.800 vph para aumentar os intervalos de manutenção.
O ato heroico de Charles Vermot de esconder as ferramentas (que pesavam toneladas) no sótão da manufatura foi mantido em segredo por quase uma década.
Os submostradores sobrepostos, embora esteticamente icónicos hoje, foram criticados inicialmente por alguns puristas em 1969 por dificultarem a leitura precisa dos minutos cronometrados entre as marcas de 15 e 20 minutos.
Existem versões extremamente raras do A386 original com escalas decimais ou telemétricas em vez da escala taquimétrica padrão, alcançando valores astronómicos em leilões.
O nome 'El Primero' foi escolhido para enfatizar a vitória na corrida contra o consórcio Calibre 11 e a Seiko, embora o debate sobre quem realmente chegou às lojas primeiro continue a alimentar discussões acaloradas entre colecionadores.
Em leilões recentes (Phillips, Christie's), exemplares 'New Old Stock' ou em condição imaculada do A386 de 1969 ultrapassaram a marca de 50.000 a 80.000 francos suíços.