RESUMO
No panteão da horologia utilitária, poucos relógios possuem uma linhagem tão autêntica e funcional quanto o Longines Lindbergh Hour Angle Watch, referência 3210. Lançado em 1931, este não é meramente um cronógrafo ou um relógio de vestir; é um instrumento científico de navegação aérea, concebido na era de ouro da aviação pioneira. Posicionado no mercado como uma ferramenta vital para pilotos profissionais e navegadores, o Hour Angle transcendeu sua função original para se tornar um ícone de design industrial e engenhosidade suíça. Sua filosofia de design é puramente pragmática: facilitar o cálculo complexo da longitude em voo, uma tarefa que, antes do GPS, era uma questão de vida ou morte sobre oceanos vastos e monótonos. A colaboração entre a Longines e o Coronel Charles A. Lindbergh resultou em uma peça que combina a robustez necessária para o cockpit de um monoplano com a precisão de um cronômetro de marinha. Para o colecionador moderno, possuir um Ref. 3210 original não é apenas ter um relógio, mas custodiar um artefato histórico que simboliza a conquista humana sobre o tempo e o espaço geográfico. Sua relevância na horologia reside na introdução de complexidade intelectual no pulso, transformando o relógio de um simples marcador de horas em um computador analógico de navegação celestial.
HISTÓRIA
A gênese do Longines Lindbergh Hour Angle Watch, Ref. 3210, está intrinsecamente ligada a um dos feitos mais notáveis da história humana: o voo transatlântico solo de Charles Lindbergh em 1927, a bordo do 'Spirit of St. Louis'. Durante as 33 horas e meia de voo entre Nova York e Paris, Lindbergh lutou não apenas contra o sono, mas contra a dificuldade de determinar sua posição exata sobre o oceano sem referências visuais terrestres. O sistema de navegação da época, baseado na 'navegação estimada' (dead reckoning), era impreciso e perigoso. Após o sucesso de sua missão, Lindbergh dedicou-se a resolver o problema da determinação rápida da longitude.
Em colaboração com o Tenente-Comandante Philip Van Horn Weems, da Marinha dos EUA — que já havia desenvolvido o 'Weems Second-Setting Watch' com a Longines —, Lindbergh esboçou um aprimoramento radical. Enquanto o relógio de Weems permitia sincronizar o ponteiro dos segundos com um sinal de rádio horário, o conceito de Lindbergh adicionava uma luneta externa graduada e um mostrador interno complexo que permitiam ao piloto converter a hora em 'ângulo horário' (graus e minutos de arco). Essencialmente, o relógio facilitava o cálculo da posição do sol ou das estrelas em relação a Greenwich, permitindo, com o auxílio de um sextante e um almanaque náutico, determinar a longitude geográfica da aeronave.
Lançado em 1931, o Ref. 3210 era uma besta mecânica. A Longines utilizou o calibre 18.69N, um movimento robusto de relógio de bolso, o que resultou em uma caixa massiva de 47.5mm. Esse tamanho não era uma declaração de moda, mas uma necessidade para a legibilidade das escalas minúsculas de graus e minutos em um cockpit vibrante e mal iluminado. O modelo original apresentava um mostrador de esmalte e uma coroa 'cebola' superdimensionada, projetada para ser operada com luvas de voo grossas.
Ao longo das décadas, o design do Hour Angle evoluiu, mas sempre manteve seu DNA técnico. A peça original de 1931 é o 'Santo Graal', mas a Longines reeditou o modelo em diversas ocasiões (como em 1987 para o 60º aniversário do voo e novamente em versões modernas com cristal de safira e movimentos automáticos). No entanto, o impacto do Ref. 3210 na indústria foi sísmico: ele solidificou a reputação da Longines como a cronometrista oficial da aviação e estabeleceu o paradigma do 'relógio-ferramenta' muito antes de o termo ser cunhado. Ele provou que um relógio de pulso poderia ser um instrumento de sobrevivência, influenciando gerações futuras de relógios de piloto, do IWC Big Pilot ao Rolex GMT-Master.
CURIOSIDADES
O próprio Charles Lindbergh desenhou os esboços iniciais do mostrador e da luneta e os enviou à Longines, demonstrando seu profundo conhecimento técnico de navegação.
O relógio não calcula a longitude sozinho; ele serve para agilizar a equação matemática, economizando minutos cruciais para um piloto que também precisava pilotar o avião simultaneamente.
Devido ao seu tamanho de 47.5mm, o relógio era frequentemente usado na coxa ou sobre a manga grossa de couro das jaquetas de aviador, e raramente diretamente no pulso em situações sociais na década de 1930.
Um exemplar original do Lindbergh Hour Angle está em exposição permanente no Museu Smithsonian em Washington, D.C., como parte da história da aviação.
O mostrador interno giratório de prata é uma evolução direta do sistema Weems, permitindo a correção da 'Equação do Tempo' (a diferença entre o tempo solar aparente e o tempo solar médio).
Este modelo foi utilizado por outros aviadores lendários e exploradores polares, incluindo o Almirante Richard Byrd em suas expedições, consolidando sua robustez em climas extremos.
No mercado de leilões atual, um Ref. 3210 original de 1931 em boas condições é extremamente raro e pode atingir valores que superam em dezenas de vezes o preço das reedições modernas.