RESUMO
Em 1845, a relojoaria testemunhou uma mudança de paradigma que alteraria para sempre a interação humana com a medição do tempo: a introdução comercial e patenteada do sistema de remontagem e ajuste sem chave por Jean Adrien Philippe. Antes deste momento seminal, os relógios de bolso eram objetos dependentes de chaves externas — pequenos acessórios propensos a serem perdidos, que acumulavam detritos dentro do movimento e tornavam o ato diário de dar corda uma tarefa fastidiosa. O sistema de Adrien Philippe, incorporado nos primeiros relógios da recém-formada Patek & Cie (precursora da Patek Philippe), não foi apenas uma melhoria técnica; foi uma revolução na interface do usuário. Ao integrar as funções de dar corda e ajustar os ponteiros em uma única coroa conectada a um pinhão deslizante, Philippe trouxe uma elegância ergonômica e uma vedação hermética superior que definiu o padrão da indústria para os séculos seguintes. Posicionado inicialmente como uma maravilha da engenhosidade moderna destinada à elite europeia e à realeza, este sistema representou o triunfo da conveniência sobre a tradição. Hoje, esta inovação é a pedra angular de quase todos os relógios mecânicos existentes, tornando os exemplares originais de 1845-1850 relíquias sagradas para colecionadores de alta horlogeria que buscam a gênese da Patek Philippe como a conhecemos.
HISTÓRIA
A história deste 'modelo' é, na verdade, a história da própria fundação da lenda Patek Philippe. Em meados da década de 1840, o mundo da horlogeria estava estagnado em uma tradição secular: a dependência da chave de armar. Antoine Norbert de Patek, um exilado polonês que já fabricava relógios em Genebra com François Czapek, viajava pela Europa buscando expandir sua clientela. Em 1844, durante a Exposição Industrial de Paris, Patek encontrou um jovem relojoeiro francês chamado Jean Adrien Philippe. Philippe havia acabado de apresentar uma invenção que resolveria o problema secular da chave: um mecanismo que permitia dar corda e ajustar os ponteiros através de uma haste e coroa integradas à caixa do relógio.
Embora outros relojoeiros, como Louis Audemars e Abraham-Louis Breguet, tivessem experimentado sistemas sem chave, nenhum havia alcançado a robustez, a confiabilidade e a simplicidade industrial do design de Philippe. A genialidade residia no 'pinhão deslizante' (pignon coulant), uma peça que permitia que a coroa alternasse entre as funções de dar corda e ajustar a hora dependendo da posição ou pressão. Patek, visionário nos negócios, percebeu imediatamente que Czapek representava o passado, enquanto Philippe representava o futuro. Em 1845, Patek rompeu com Czapek e convidou Philippe para Genebra, formando a Patek & Cie (que se tornaria Patek Philippe & Cie em 1851).
A patente francesa No. 1317, registrada em 1845, protegeu essa invenção. No entanto, a adoção não foi imediata nem universal. A velha guarda da relojoaria suíça, conservadora e avessa a mudanças, ridicularizou o sistema, argumentando que ele era frágil e desnecessariamente complexo comparado à robustez da chave tradicional. Patek e Philippe, contudo, apostaram tudo na inovação. Eles refinaram o mecanismo incessantemente. Os primeiros relógios equipados com este sistema (1845-1850) eram maravilhas da miniaturização para a época, eliminando orifícios no fundo da caixa e, consequentemente, protegendo o óleo e as engrenagens contra a poeira e umidade de forma muito mais eficaz.
O ponto de virada ocorreu na Grande Exposição de Londres em 1851. A Rainha Vitória, fascinada pela tecnologia e pela estética dos relógios que não exigiam ferramentas desajeitadas, adquiriu um relógio pendente azul esmaltado com o sistema de Adrien Philippe. Este endosso real silenciou os críticos e catapultou a marca para a fama global. O sistema 'stem-winding' evoluiu ao longo das décadas seguintes, incorporando melhorias no trem de engrenagens (como os famosos dentes de lobo para reduzir o atrito na corda) e tornando-se o padrão onipresente que usamos até hoje. Sem este modelo de 1845, o relógio de pulso moderno — que exige uma coroa lateral por questões práticas — jamais teria sido viável.
CURIOSIDADES
O sistema foi tão revolucionário que a Patek Philippe usou a frase 'Invenção e Fabricação de Adrien Philippe' em gravações nas cuvettes dos primeiros modelos para diferenciar-se das falsificações.
O 'Endosso Real' de 1851 não foi apenas marketing: a Rainha Vitória comprou um relógio pendente (No. 4719) e um relógio de bolso para o Príncipe Albert, ambos com o sistema sem chave, consolidando a tecnologia.
O pinhão deslizante, coração da patente de 1845, ainda é a base mecânica de como as coroas funcionam na maioria dos relógios mecânicos produzidos em 2024.
Antes de se juntar a Patek, Adrien Philippe ofereceu sua invenção a outros mestres em Paris, que a rejeitaram por medo de que a facilidade de uso tornasse os relojoeiros 'obsoletos' ou 'preguiçosos'.
Os primeiros modelos de 1845 não tinham a coroa de 'puxar' moderna; muitas vezes usavam um botão separado ou uma configuração específica de rotação para engatar o modo de ajuste de horas.
Colecionadores referem-se a estes primeiros exemplares não por um nome de modelo, mas como 'Patek & Cie Keyless' ou 'Early Adrien Philippe Calibers', sendo extremamente raros em leilões.
Este sistema permitiu o surgimento dos primeiros relógios 'impermeáveis' reais décadas depois, pois eliminou o buraco da chave no fundo da caixa, que era a principal entrada de água e poeira.