RESUMO
Em um cenário horológico dominado pela busca incessante da miniaturização e utilidade, o registro da patente nº 104373 pela Angelus em 1923 representa um marco fundamental, muitas vezes ofuscado por gigantes posteriores como Vulcain ou Jaeger-LeCoultre. Este registro não foi apenas um exercício burocrático, mas a cristalização da filosofia dos irmãos Stolz em Le Locle: trazer a complexidade dos relógios de mesa e de bolso para a portabilidade extrema. O mecanismo derivado desta patente posicionou a Angelus na vanguarda da "horologia utilitária" da década de 1920, um período de transição frenética onde o relógio deixava o colete para habitar o pulso. O público-alvo original transcendia a mera aristocracia; destinava-se a oficiais militares, viajantes globais e a emergente classe empresarial que necessitava de lembretes auditivos precisos em um mundo cada vez mais cronometrado. A importância desta patente reside na sua arquitetura técnica, que permitiu a redução drástica dos componentes do mecanismo de toque, viabilizando os raríssimos e altamente colecionáveis primeiros relógios de pulso com alarme da marca (Montre-réveil). Ao contrário de uma peça de joalheria estática, este artefato era uma ferramenta viva, um precursor direto da era dourada das complicações funcionais que definiria o século XX. Para o colecionador erudito, este modelo não é apenas um relógio, mas o 'Big Bang' mecânico da Angelus no segmento de alarmes.
HISTÓRIA
A história da Patente Angelus nº 104373, concedida em 1923, é a história da audácia técnica em uma era de conservadorismo estético. Fundada em 1891 pelos irmãos Stolz em Le Locle, a Angelus rapidamente ganhou reputação por sua excelência em cronógrafos e repetidores. No entanto, o início da década de 1920 apresentou um desafio singular: o mundo estava acelerando. A Primeira Guerra Mundial havia validado o relógio de pulso como uma necessidade, e a vida civil do pós-guerra exigia funcionalidades que acompanhassem o ritmo do 'Roaring Twenties'.
Foi neste contexto que a Angelus desenvolveu a patente nº 104373. O desafio técnico era imenso: criar um mecanismo de alarme que fosse audível o suficiente para despertar o usuário, mas compacto o suficiente para não transformar o relógio em um objeto grotesco. A solução encontrada pelos engenheiros da Angelus envolveu um rearranjo inteligente do trem de engrenagens e do sistema de percussão, permitindo que o movimento mantivesse uma espessura aceitável. Os primeiros exemplares a utilizarem este movimento eram híbridos fascinantes — relógios de viagem compactos e os primeiros protótipos de pulso, que hoje são considerados 'unicórnios' no mercado de leilões.
O design destes primeiros modelos de 1923-1925 refletia a transição estética da época. As caixas, muitas vezes em formato 'cushion' (almofada) ou redondas clássicas, possuíam asas de fio soldadas, características típicas da adaptação de calibres menores para o pulso. O mecanismo de alarme era operado geralmente por uma coroa adicional ou um botão deslizante, uma inovação ergonômica para o período. Diferente dos famosos 'Cricket' da Vulcain que surgiriam décadas depois com suas caixas de ressonância dupla, a abordagem da Angelus em 1923 era mais crua e direta, focada na vibração tátil e no som metálico do martelo contra o metal endurecido.
Historicamente, esta patente é o elo perdido que conecta os relógios de carruagem do século XIX aos modernos relógios de ferramenta. Ela estabeleceu a Angelus não apenas como uma montadora de movimentos, mas como uma 'Manufacture' capaz de inovar em complicações. O legado deste modelo específico é visível na linha evolutiva da marca: sem a patente 104373, não teríamos o lendário Angelus Chronodato ou os complexos modelos Datalarm dos anos 50. Para o historiador, o modelo de 1923 é a prova física de que a Angelus dominava a complicação sonora no pulso muito antes de ela se tornar uma tendência popular na indústria suíça.
CURIOSIDADES
A patente 104373 é frequentemente citada em manuais técnicos suíços antigos como um exemplo primordial de eficiência espacial em calibres mecânicos.
Os modelos de pulso originais de 1923 com este movimento são tão raros que muitos colecionadores passam a vida inteira sem ver um exemplar físico 'in the metal'.
Ao contrário dos alarmes posteriores que soam como uma cigarra ('buzz'), o mecanismo de 1923 produzia um som mais metálico e rítmico, semelhante a um pequeno sino.
A aplicação de Rádio (Radium) nos mostradores originais era feita à mão, resultando em uma pátina 'queimada' única que hoje é altamente valorizada, embora exija cautela no manuseio.
Este mecanismo foi um dos primeiros a ser exportado pela Angelus para 'Private Labels', podendo ser encontrado ocasionalmente em relógios assinados por joalherias de prestígio da época, sem o logotipo da Angelus no mostrador, mas com a marcação da patente no movimento.
O sucesso deste mecanismo financiou parte da pesquisa que levaria a Angelus a desenvolver seus cronógrafos de roda de coluna nas décadas seguintes.
Em leilões especializados, movimentos soltos com a gravação 'Patent 104373' alcançam valores surpreendentes, disputados por restauradores que buscam completar caixas de época vazias.