RESUMO
O Breguet Classique 5177, especificamente a iteração aprimorada lançada por volta de 2006, representa um dos paradoxos mais fascinantes da alta relojoaria moderna: um exterior que honra rigidamente os códigos estéticos do século XVIII, abrigando um interior na vanguarda absoluta da ciência dos materiais do século XXI. Posicionado como o relógio social ou 'dress watch' definitivo, o 5177 destina-se a colecionadores puristas que valorizam a elegância discreta sobre a ostentação. A sua filosofia de design é a de preservação histórica, mantendo as proporções áureas e a legibilidade imaculada estabelecidas por Abraham-Louis Breguet. No entanto, a sua importância horológica transcende a beleza; este modelo serviu como o cavalo de Troia para a introdução do silício na produção em série da Breguet. Ao equipar uma peça tão tradicional com o calibre 777Q e seus componentes de escape em silício, a marca sinalizou ao mundo que a inovação tecnológica não é inimiga da tradição, mas sim a sua guardiã, garantindo precisão cronométrica e longevidade superiores sem alterar a alma clássica do relógio.
HISTÓRIA
A linhagem do modelo Classique 5177 é a espinha dorsal da Breguet moderna, servindo como uma ligação direta e ininterrupta com os relógios de bolso criados pelo fundador da marca, Abraham-Louis Breguet, no final do século XVIII. No entanto, o ano de 2006 marca um ponto de inflexão crítico não apenas para este modelo, mas para toda a indústria relojoeira suíça sob a égide do Swatch Group. Até aquele momento, a aplicação de silício (silicium) em movimentos relojoeiros era vista com ceticismo ou reservada a protótipos experimentais e séries ultra-limitadas. Sob a liderança visionária de Nicolas G. Hayek, a Breguet decidiu democratizar esta tecnologia, escolhendo ironicamente o seu modelo mais clássico para estrear o novo Calibre 777Q.
O lançamento de 2006 foi revolucionário. O Calibre 777Q foi projetado inteiramente in-house para incorporar uma roda de escape e uma âncora de silício, além de, eventualmente, a espiral no mesmo material. A importância histórica desta atualização reside nas propriedades físicas do silício: ele é imune ao magnetismo, extremamente leve (o que reduz a inércia e o consumo de energia), altamente resistente à corrosão e, crucialmente, não requer lubrificação nos pontos de contato do escape. Isso resolveu problemas seculares da cronometria mecânica, oferecendo uma estabilidade de marcha que os óleos tradicionais, que degradam com o tempo, não podiam garantir.
Esteticamente, o 5177 de 2006 manteve a pureza absoluta. As asas soldadas à mão, uma característica que exige habilidade artesanal extrema para garantir robustez e acabamento invisível, permaneceram. O mostrador, frequentemente em esmalte 'Grand Feu', continuou a ser produzido através de um processo árduo onde o pó de vidro é cozido a mais de 800°C, resultando em um mostrador que jamais perderá o brilho ou mudará de cor, diferentemente das lacas comuns. A presença da 'assinatura secreta' – gravada pantograficamente no esmalte e visível apenas sob luz oblíqua – continuou a ser um aceno à luta de A.L. Breguet contra as falsificações de sua época.
A transição para o Calibre 777Q em 2006 elevou o Classique 5177 de um simples relógio de vestuário nostálgico para uma maravilha da engenharia moderna. Ele provou que a 'Haute Horlogerie' poderia abraçar o futuro sem trair o passado. Para os colecionadores, as versões pós-2006 são particularmente desejáveis não apenas pela confiabilidade técnica superior, mas porque representam o momento exato em que a Breguet reafirmou seu título de inovadora perpétua, liderando a indústria na era dos novos materiais.
CURIOSIDADES
A 'Assinatura Secreta': Introduzida originalmente em 1795 por Abraham-Louis Breguet para combater falsificações, ela está presente no 5177, gravada de forma quase invisível no esmalte, geralmente acima do numeral 6 ou ladeando o 12.
O Calibre 777Q introduzido em 2006 utiliza rolamentos de cerâmica para o rotor, eliminando a necessidade de lubrificação neste componente de alto desgaste.
Os numerais arábicos presentes na versão de mostrador esmaltado foram desenhados pelo próprio Abraham-Louis Breguet antes da Revolução Francesa e são hoje conhecidos universalmente como 'Numerais Breguet'.
A técnica de 'Grand Feu' utilizada no mostrador tem uma taxa de rejeição altíssima durante a produção; qualquer micro-bolha ou rachadura durante o cozimento resulta no descarte imediato da peça.
A Breguet, juntamente com a Patek Philippe e a Rolex, formou um consórcio de pesquisa pioneiro com o CSEM (Centre Suisse d'Electronique et de Microtechnique) que tornou possível a tecnologia de silício estreada neste modelo.
O design canelado da lateral da caixa (caseband fluting) não é apenas decorativo; historicamente, ajudava a dissipar o calor e oferecia melhor aderência para retirar relógios de bolso, tornando-se uma assinatura tátil da marca.
O termo 'Q' no calibre 777Q refere-se a 'Quantième', indicando a função de data, que neste modelo possui um mecanismo de mudança instantânea.