RESUMO
O Longines Ultra-Quartz representa um dos capítulos mais fascinantes, ambiciosos e tecnicamente audazes da história da relojoaria do século XX. Lançado no epicentro da 'Crise do Quartzo', este modelo não foi apenas um relógio, mas uma declaração de soberania técnica da Longines. Posicionado no topo da pirâmide de luxo e tecnologia em 1969, o Ultra-Quartz foi comercializado para uma elite tecnocrata e entusiastas da precisão que desejavam possuir o futuro no pulso. Diferente de seus contemporâneos que buscavam a miniaturização através de circuitos integrados, o Ultra-Quartz é um monumento à 'arquitetura discreta': um computador analógico de pulso construído com componentes eletrónicos individuais soldados à mão. A sua filosofia de design reflete a estética brutalista e futurista da era espacial, com caixas robustas que precisavam acomodar o complexo movimento eletrónico. Na horologia, ele permanece como um 'elo perdido' evolutivo—uma maravilha da engenharia 'cibernética' que, embora rapidamente superada pela tecnologia de chips IC, demonstrou a capacidade inigualável da Longines de inovar internamente sem depender de consórcios externos como o Centre Electronique Horloger (CEH).
HISTÓRIA
A génese do Longines Ultra-Quartz, especificamente o desenvolvimento do Calibre 6512, é uma saga de independência industrial e engenho suíço que culminou no ano crucial de 1969. Enquanto a maior parte da indústria relojoeira suíça unia forças sob o consórcio do Centre Electronique Horloger (CEH) para desenvolver o movimento Beta 21, a Longines tomou a audaz decisão de seguir um caminho solitário com o 'Projeto Ampulheta' (Project Hourglass). O objetivo era claro: criar o relógio de pulso mais preciso do mundo, utilizando tecnologia proprietária, antes que os japoneses (Seiko) ou os seus compatriotas suíços dominassem o mercado.
Em 20 de agosto de 1969, meses antes do lançamento comercial do Seiko Astron, a Longines anunciou oficialmente o Ultra-Quartz, reivindicando o título de primeiro relógio de pulso de quartzo de produção do mundo. A tecnologia interna era radicalmente diferente de tudo o que existia. O Calibre 6512 não utilizava a cadeia divisora binária de circuitos integrados (microchips) que se tornaria o padrão da indústria. Em vez disso, a Longines criou o que chamou de sistema 'Cibernético'. O movimento operava com uma complexa rede de componentes eletrónicos discretos—transistores, resistores e capacitores soldados individualmente à mão em uma placa de circuito impresso.
O princípio de funcionamento era engenhoso: o relógio possuía um oscilador de quartzo e um motor vibratório mecânico (uma barra de torção). O circuito eletrónico comparava a frequência do motor mecânico com a frequência de referência do quartzo e aplicava correções constantes para manter a precisão. Era, essencialmente, um motor 'escravo' corrigido ciberneticamente por um mestre de quartzo. Esta arquitetura resultava num movimento que não fazia 'tique-taque' no sentido tradicional, mas sim um zumbido característico, com o ponteiro dos segundos deslizando ou avançando de forma peculiar dependendo da carga.
A produção do Ultra-Quartz foi extremamente trabalhosa e cara, assemelhando-se mais à construção de satélites do que à relojoaria tradicional. Estima-se que apenas alguns milhares de unidades foram produzidas entre 1969 e 1971. Embora tecnicamente brilhante, a abordagem de componentes discretos provou ser um beco sem saída evolutivo, pois era demasiado complexa e frágil em comparação com os Circuitos Integrados (IC) que a Seiko e a Beta 21 introduziram. No entanto, para os colecionadores modernos, o Longines Ultra-Quartz é o 'Santo Graal' da eletrónica primitiva: uma cápsula do tempo de um momento em que a relojoaria mecânica tentava desesperadamente, e brilhantemente, reinventar-se através da eletrónica pura.
CURIOSIDADES
• O termo 'Cibernético' foi amplamente utilizado no material de marketing original para descrever a relação entre o oscilador de quartzo e o motor mecânico, uma terminologia muito em voga na ficção científica dos anos 60.
• O Calibre 6512 contém mais de 40 componentes eletrónicos discretos (14 transistores, 19 resistores, 7 capacitores), todos soldados à mão, tornando-o possivelmente o relógio de pulso mais complexo de fabricar eletronicamente na história.
• Devido à complexidade do circuito, o relógio era conhecido por consumir baterias vorazmente, muitas vezes durando apenas 6 a 9 meses com as células de mercúrio da época.
• O Ultra-Quartz é frequentemente esquecido na batalha 'Primeiro Quartzo' entre a Seiko (Astron) e a Suíça (Beta 21), apesar de ter sido anunciado em Agosto de 1969, tecnicamente antes do lançamento de mercado da Seiko em Dezembro.
• Encontrar um exemplar funcional hoje é extremamente raro; a maioria dos relojoeiros recusa-se a tocá-los, pois o reparo exige conhecimentos de engenharia eletrónica vintage e não apenas de relojoaria.
• O preço de lançamento do Ultra-Quartz era comparável ao de um automóvel familiar médio na Europa, posicionando-o como um objeto de luxo extremo.
• Ao contrário dos relógios de quartzo modernos que 'saltam' (dead-beat), o movimento da barra de torção do 6512 cria um movimento semi-contínuo único no ponteiro dos segundos, visualmente distinto.