RESUMO
No epicentro da revolução horológica de 1969, enquanto o mundo assistia à corrida pelo primeiro cronógrafo automático, a Zenith realizou um feito de engenharia que transcendia a mera medição de intervalos de tempo. O protótipo equipado com o calibre 3019 PHF não foi apenas uma demonstração de força técnica; foi uma declaração de supremacia mecânica. Numa era definida pela utilidade robusta, este mecanismo elevou o cronógrafo esportivo ao reino da alta complicação, integrando um calendário completo e fases da lua sem sacrificar a lendária frequência de 36.000 alternâncias por hora. Este artefato histórico não se destinava ao piloto comum ou ao mergulhador recreativo, mas sim ao 'connoisseur' visionário que compreendia que a precisão cronométrica poderia coexistir com a poesia celestial. O protótipo serviu como o 'concept watch' fundamental que provou a viabilidade de manter a amplitude do balanço mesmo sob a carga de torque de múltiplos discos de calendário, pavimentando o caminho para o futuro modelo 'Espada'. Ele representa o ponto de inflexão onde a robustez industrial encontrou a sofisticação astronômica, solidificando o El Primero não apenas como o primeiro, mas como o mais complexo cronógrafo integrado de sua geração.
HISTÓRIA
A história deste modelo específico reside na intersecção entre a ambição desmedida e a precisão absoluta. O ano de 1969 é sacrossanto na horologia devido à 'corrida do cronógrafo automático' entre o consórcio Heuer/Breitling/Hamilton-Buren, a Seiko e a Zenith. Enquanto os concorrentes lutavam para fazer um cronógrafo funcionar modularmente ou com frequências padrão, a Zenith revelou o El Primero em 10 de janeiro de 1969 com uma arquitetura integrada e uma frequência avassaladora de 36.000 vph. No entanto, a verdadeira 'magnum opus' oculta na manga da manufatura de Le Locle era a variante 3019 PHF (o 'F' denotando Fases da Lua/Calendário Completo).
Este protótipo de 1969 não foi desenhado para produção em massa imediata como os modelos A384 ou A386 (que usavam o calibre 3019 PHC, apenas com data), mas sim como um veículo de demonstração de capacidade técnica. A engenharia necessária para adicionar o arrasto de três discos de calendário e um disco lunar a um movimento que já operava sob o estresse de 10 batidas por segundo era imensa. O desafio era gerenciar o consumo de energia para que a ativação das complicações à meia-noite não derrubasse a amplitude do balanço, afetando a precisão do cronógrafo.
O sucesso deste protótipo provou que a arquitetura do El Primero era robusta o suficiente para suportar grandes complicações, algo que os movimentos modulares da concorrência não conseguiam replicar com a mesma elegância ou espessura (apenas 6,5mm). Embora este movimento tenha permanecido em estágio de desenvolvimento final e produção limitadíssima durante 1969 e 1970, ele foi a semente que germinou no lendário Zenith 'Espada' (Referência A7817) lançado no início da década de 1970. O Espada, nomeado em homenagem à espada dos toureiros, foi o primeiro cronógrafo automático do mundo com calendário completo e fases da lua, utilizando exatamente este motor 3019 PHF. Portanto, o protótipo de 1969 é o elo perdido, o 'paciente zero' de uma linhagem de relógios que combinou a utilidade esportiva com a complicação clássica, garantindo que o legado da Zenith sobrevivesse até mesmo à Crise do Quartzo que se avizinhava.
CURIOSIDADES
O Calibre 3019 PHF contém 354 componentes individuais embalados em uma altura de apenas 6,5mm, uma densidade mecânica impressionante para 1969.
O nome 'El Primero' significa 'O Primeiro' em Esperanto (muitas vezes confundido com espanhol), refletindo a visão global e futurista da marca na época.
A versão de produção final derivada deste protótipo, o 'Espada', é um dos modelos vintage mais raros da Zenith, com estimativas de produção muito inferiores às dos modelos A386.
Este movimento específico (renomeado posteriormente para Calibre 410) foi tão bem projetado que permaneceu em produção, com modificações mínimas, até o início dos anos 2000, equipando modelos modernos da linha ChronoMaster.
A combinação de 36.000 vph com um calendário completo torna a lubrificação deste movimento um dos desafios mais complexos para relojoeiros, exigindo óleos específicos ('Dry lubrication') em pontos de alta fricção.
Durante a Crise do Quartzo, os planos técnicos e as ferramentas para o 3019 PHF foram salvos da destruição pelo herói da Zenith, Charles Vermot, que os escondeu no sótão da fábrica, permitindo o renascimento do modelo décadas depois.
Rolex utilizou uma versão modificada e 'desacelerada' do El Primero (sem o calendário e fases da lua) para o seu Daytona automático de 1988 a 2000, mas nunca tentou implementar a complexidade do 3019 PHF.