RESUMO
Em 1948, o mundo da horologia testemunhou uma revolução silenciosa, mas tectônica, liderada não por um cronógrafo militar ou um instrumento de mergulho masculino, mas por um delicado relógio feminino: o Eterna-Matic equipado com o Calibre 1199. Este modelo representa o ponto de inflexão exato onde a Eterna resolveu o 'calcanhar de Aquiles' dos movimentos automáticos da época: o atrito e o desgaste excessivo do eixo do rotor. Projetado sob a visão técnica de Dr. Rudolf Schild-Comtesse, o Eterna-Matic 1948 introduziu o sistema de rotor montado sobre cinco minúsculos rolamentos de esferas, uma inovação que alterou fundamentalmente a engenharia de movimentos perpétuos. O posicionamento deste relógio foi único; ao lançar esta tecnologia inovadora primeiramente em um calibre de dimensões reduzidas para o público feminino, a Eterna demonstrou uma confiança absoluta em sua engenharia de miniaturização. Mais do que um acessório de moda da era pós-guerra, o Eterna-Matic Calibre 1199 é um artefato de suprema importância industrial, sendo o progenitor direto da eficiência moderna dos movimentos automáticos e a razão pela qual o logotipo da marca ostenta, até hoje, as cinco esferas simbólicas. Ele se destinava à mulher moderna e ativa do final da década de 1940, oferecendo-lhe uma precisão despreocupada que superava tecnicamente quase todos os relógios masculinos contemporâneos.
HISTÓRIA
A história do Eterna-Matic Calibre 1199 de 1948 é, sem exagero, a história de como o relógio de pulso automático moderno foi aperfeiçoado. Para compreender a magnitude deste lançamento, é necessário contextualizar o cenário da relojoaria na década de 1940. Embora a Rolex tivesse popularizado o rotor perpétuo e a Harwood tivesse introduzido o conceito de automático anos antes, todos sofriam de um problema mecânico persistente: a fricção. Os rotores da época giravam sobre um eixo central (bushing) que, devido ao peso da massa oscilante e aos choques constantes, sofria um desgaste severo, exigindo manutenção frequente e comprometendo a eficiência do carregamento.
Foi neste cenário que o Dr. Rudolf Schild-Comtesse, então chefe de desenvolvimento da Eterna, buscou inspiração fora da relojoaria, observando a mecânica de bicicletas e cadeiras giratórias. Ele teorizou que suspender o rotor não em um eixo fixo, mas em um anel deslizante contendo microesferas, eliminaria quase todo o atrito lateral e vertical. O resultado foi o sistema 'Eterna-Matic'. O desafio, no entanto, era a miniaturização. Contrariando a lógica da indústria, que geralmente introduzia novas tecnologias em calibres masculinos maiores (onde há mais espaço para trabalhar), a Eterna escolheu lançar esta inovação revolucionária no Calibre 1199, um movimento minúsculo destinado a relógios femininos.
O lançamento em 1948 do Eterna-Matic com o Calibre 1199 foi um triunfo da microengenharia. As cinco esferas de aço, cada uma com apenas 0,65 mm de diâmetro, permitiam que o rotor girasse livremente com a mínima inércia, capturando energia dos movimentos mais sutis do pulso. Este relógio não apenas funcionava melhor; ele durava mais. O sucesso foi tão retumbante que a inovação definiu instantaneamente a identidade da marca. Em 1950, a tecnologia foi ampliada para o famoso Calibre 1247 masculino, mas o 1199 feminino detém a primazia histórica.
Visualmente, os modelos de 1948 eram a quintessência do design do pós-guerra: caixas sóbrias, porém elegantes, mostradores legíveis e uma construção robusta. Ao longo das décadas, o princípio do rolamento de esferas tornou-se o padrão industrial global, adotado posteriormente pela ETA (que nasceu de uma divisão da Eterna) e utilizado em calibres onipresentes como o 2824. O Eterna-Matic Calibre 1199 não é apenas um relógio 'vintage'; é o ancestral técnico de praticamente todo relógio automático suíço contemporâneo que utiliza um rotor montado em rolamentos.
CURIOSIDADES
O logotipo da Eterna, composto por cinco pontos dispostos em um pentágono, foi adotado oficialmente após o sucesso deste modelo para representar as cinco esferas do rolamento do rotor.
Embora o Calibre 1247 masculino de 1950 seja mais colecionado hoje devido ao tamanho da caixa, o Calibre 1199 feminino é academicamente mais valioso por ser o verdadeiro pioneiro da tecnologia 'ball-bearing'.
As esferas de aço utilizadas no Calibre 1199 eram tão pequenas que a Eterna teve que desenvolver ferramentas proprietárias apenas para manuseá-las e inseri-las no movimento sem as perder.
O termo 'Eterna-Matic' tornou-se tão forte que, em muitos mercados, substituiu o próprio nome da marca na linguagem popular durante os anos 50 e 60.
A tecnologia de rolamento de esferas introduzida neste modelo foi considerada tão avançada que ajudou a financiar a expansão da divisão de movimentos da Eterna, que mais tarde se tornaria a gigante ETA SA Manufacture Horlogère Suisse.
O sucesso da linha Eterna-Matic permitiu à marca financiar a expedição Kon-Tiki de Thor Heyerdahl, embora os relógios usados na balsa fossem modelos anteriores ou protótipos específicos, a tecnologia do rotor consolidou a reputação de durabilidade necessária para a futura linha Kon-Tiki.
Antes do Eterna-Matic, os relojoeiros frequentemente recomendavam relógios de corda manual para quem buscava longevidade; o Calibre 1199 foi um dos primeiros a inverter essa recomendação.