RESUMO
No panteão da horologia militar vintage, poucas referências evocam tanto mistério, desejo e reverência quanto o Blancpain Air Command original de meados da década de 1950. Frequentemente descrito como o equivalente aéreo do icônico Fifty Fathoms, o Air Command ocupa uma posição singular no mercado: é um relógio que tecnicamente 'não deveria existir' em escala comercial. Concebido estritamente como um instrumento de ferramenta para pilotos de elite, este cronógrafo flyback foi desenvolvido para atender a requisitos militares rigorosos, priorizando a legibilidade instantânea e a funcionalidade tática sobre qualquer pretensão estética. Sua raridade é absoluta; ao contrário de contemporâneos como o Breguet Type XX ou o Omega Speedmaster, o Air Command nunca viu produção em massa durante sua era original, permanecendo no estágio de protótipo avançado. Para o colecionador moderno, ele representa a interseção perfeita entre a engenharia suíça da era dourada e a história militar da Guerra Fria. Ele não é apenas um relógio de mergulho adaptado para o céu; é uma máquina de cronometragem proposital, envolta em décadas de especulação, que definiu a linguagem de design da Blancpain muito antes de sua 'ressurreição' moderna. Possuir ou mesmo manusear um exemplar original é considerado um ápice na jornada de qualquer curador de alta horologia.
HISTÓRIA
A história do Blancpain Air Command original é, em muitos aspectos, a história do que 'poderia ter sido'. Em meados da década de 1950, após o sucesso estrondoso do Fifty Fathoms — que se tornou o padrão ouro para relógios de mergulho militar — a Blancpain voltou sua atenção para os céus. O contexto geopolítico era a Guerra Fria, e a Força Aérea dos Estados Unidos (USAF) buscava cronógrafos de alta precisão para seus pilotos. Acredita-se que, através de Allen V. Tornek, o importador americano que famosamente colocou o Fifty Fathoms nos pulsos da Marinha dos EUA, a Blancpain tenha desenvolvido o Air Command para competir por um contrato militar governamental.
O design do relógio era revolucionário para a época e compartilhava o DNA robusto de seu irmão de mergulho. Com uma caixa de 42mm — considerada enorme para os padrões dos anos 50 — ele oferecia uma legibilidade incomparável. O coração deste modelo era o venerável movimento Valjoux 222. Este calibre não era um cronógrafo comum; ele possuía a função 'Flyback' (ou 'Retour-en-vol'), uma complicação crítica para a navegação aérea, permitindo que os pilotos zerassem e reiniciassem o cronômetro instantaneamente com um único toque, essencial para o cálculo preciso de rotas em sucessão rápida.
No entanto, a história tomou um rumo inesperado. Por razões que permanecem parcialmente obscuras — especula-se que seja devido ao alto custo de produção ou à preferência política por fabricantes domésticos ou outros concorrentes suíços já estabelecidos — o Air Command nunca foi adotado oficialmente pela USAF em larga escala. A produção foi interrompida na fase de prototipagem e pré-série. Estima-se que apenas um número infinitesimal de unidades, talvez não mais que uma dúzia, tenha sido montado e entregue para testes ou distribuído a dignitários e pilotos de teste.
Durante décadas, o Air Command existiu quase como um mito, aparecendo esporadicamente em literatura especializada, mas raramente visto 'na carne'. Foi somente no século XXI, com o crescente interesse em cronógrafos de aço vintage, que a verdadeira magnitude e beleza deste modelo foram redescobertas. A escassez de exemplares originais fez com que o modelo se tornasse uma lenda, influenciando diretamente a decisão da Blancpain de relançar reedições modernas em 2019. Contudo, o modelo de 1955 permanece o 'Ur-Air Command', um artefato histórico que captura a ambição da Blancpain em dominar não apenas os mares, mas também os céus.
CURIOSIDADES
A produção total é estimada em apenas 12 exemplares em todo o mundo, tornando-o exponencialmente mais raro que um Rolex Paul Newman ou um Patek Philippe 1518.
O bisel do Air Command é peculiar por apresentar uma escala de 'Count-down' (sentido anti-horário), ao contrário da maioria dos cronógrafos que possuem escalas de tempo decorrido ou taquímetros no bisel.
Em um leilão da Phillips em Genebra (2016), um exemplar original do Air Command foi vendido por mais de 100.000 CHF, um valor que chocou o mercado e redefiniu a percepção da marca em leilões vintage.
O distribuidor Allen V. Tornek, fundamental para a história da Blancpain nos EUA, supostamente teve que convencer a manufatura na Suíça a criar um relógio tão grande e complexo para satisfazer as demandas americanas.
A função Flyback do Valjoux 222 era tão complexa e cara de produzir na época que a maioria das marcas optava por movimentos mais simples, o que contribuiu para o cancelamento do projeto original.
Alguns colecionadores referem-se a ele como o 'Fifty Fathoms do Céu' devido às semelhanças nas asas (lugs) e na tipografia do mostrador.