RESUMO
Em 1978, num momento em que a indústria relojoeira suíça enfrentava a sua crise existencial mais profunda perante a revolução do quartzo, a Angelus, uma marca com um pedigree histórico invejável, realizou um movimento contra-intuitivo e tecnicamente audacioso. O Angelus Répétition 5-Minute Repeater representa não apenas um relógio de pulso, mas um manifesto de resistência da relojoaria mecânica. Desenvolvido para um nicho extremamente restrito de colecionadores que recusavam a esterilidade eletrónica da época, este modelo foi concebido como um relógio 'dress' de distinção aristocrática. A sua importância reside na colaboração pioneira com a Dubois Dépraz, que permitiu a miniaturização e a modularidade de uma complicação acústica complexa sobre um movimento base automático. Longe de ser um relógio ferramenta como os cronógrafos de mergulho ou aviação, esta peça posiciona-se como um instrumento de pura elegância auditiva e visual, destinado a jantares de gala e ambientes onde a discrição é valorizada. Ele é o elo perdido entre a era dourada da Angelus (famosa pelo Chronodato) e o renascimento mecânico que só ocorreria uma década mais tarde, provando que a arte da repetição não estava extinta, apenas adormecida.
HISTÓRIA
A história do Angelus Répétition de 1978 é um capítulo fascinante de sobrevivência e engenhosidade técnica num dos períodos mais sombrios da horologia suíça. Para compreender a magnitude deste lançamento, é necessário contextualizar o cenário: em 1978, grandes casas estavam a falir semanalmente, incapazes de competir com a precisão e o baixo custo do quartzo japonês. A Angelus, outrora célebre pelos seus cronógrafos inovadores como o Chronodato e o Chrono-Datoluxe, encontrava-se numa encruzilhada. A direção da marca, em vez de se render totalmente à eletrónica, decidiu apostar numa complicação que o quartzo não conseguia replicar com alma: o som mecânico.
Este modelo nasceu de uma colaboração estratégica com a Dubois Dépraz, uma manufatura de módulos lendária no Vallée de Joux. O desafio técnico era criar um mecanismo de repetição que fosse fiável, 'acessível' (relativamente aos repetidores de minutos de alta relojoaria feitos à mão) e passível de ser montado num relógio de pulso automático moderno. A solução encontrada foi a utilização de um módulo de repetição de cinco minutos acoplado ao robusto e fino calibre ETA 2892. Diferente de um repetidor de minutos (que soa horas, quartos e minutos), o sistema de cinco minutos soa as horas com um tom grave e, em seguida, o número de intervalos de cinco minutos passados da hora com uma combinação de tons grave-agudo. Esta escolha técnica reduziu a complexidade exponencial do mecanismo, tornando-o mais robusto para o uso diário, sem sacrificar o encanto romântico de um relógio que 'fala' o tempo.
O lançamento de 1978 foi discreto mas significativo. Enquanto o mundo olhava para LEDs e LCDs, a Angelus oferecia uma peça de resistência purista. O design era deliberadamente anacrónico, evocando os relógios de bolso do século XIX, com caixas redondas clássicas e mostradores sóbrios. Existiram variações, incluindo modelos esqueletizados que permitiam ao utilizador observar os martelos a percutir nos gongos, uma característica que se tornaria muito popular nos anos 80 com marcas como a Chronoswiss e a Kelek (que partilhavam tecnologia e gestão com a Angelus nesta fase final).
Infelizmente, a audácia deste modelo não foi suficiente para salvar a Angelus da dormência que se seguiu pouco depois. A marca acabaria por cessar operações significativas até ao seu renascimento moderno sob o grupo Citizen/La Joux-Perret. No entanto, o Répétition de 1978 permanece como um marco histórico vital. Ele provou a viabilidade dos movimentos modulares de alta complicação, uma arquitetura que seria a espinha dorsal de muitas marcas de luxo durante o renascimento mecânico dos anos 90. Para o colecionador moderno, possuir este relógio não é apenas ter um repetidor; é possuir um artefacto de uma aliança industrial (Angelus-Dubois Dépraz) que manteve a chama da complexidade mecânica acesa quando o vento soprava mais forte contra ela.
CURIOSIDADES
Este modelo é frequentemente apelidado carinhosamente pelos colecionadores de 'O Repetidor do Homem Pensante', devido à sua engenharia inteligente que democratizou parcialmente a complicação.
A Kelek, outra marca histórica, lançou modelos quase idênticos no mesmo período, pois ambas as empresas estavam sob gestão ou influência técnica partilhada na época, utilizando os mesmos módulos Dubois Dépraz.
Ao contrário dos repetidores de minutos modernos que custam centenas de milhares de euros, o sistema de 5 minutos deste Angelus requer uma leitura mental diferente: ouvir as horas e multiplicar os toques duplos por cinco para saber os minutos aproximados.
A produção exata de 1978 é desconhecida, mas estima-se que tenham sido feitas menos de 1.000 unidades devido ao custo proibitivo e à baixa procura por mecânicos na altura, tornando-os raros hoje.
O som produzido por estes modelos vintage de 1978 tende a ser mais suave e orgânico do que as versões modernas, devido ao envelhecimento dos gongos e às ligas metálicas das caixas da época.
Algumas versões raras foram produzidas com mostradores em esmalte 'cloisonné', embora a maioria seja lacada a branco ou esqueleto.
Este modelo é considerado o 'avô' técnico de quase todos os repetidores modulares automáticos que surgiram nas décadas de 1980 e 1990.