RESUMO
Lançado em um momento de incerteza existencial para a indústria relojoeira suíça, sob a sombra iminente do Apple Watch, o TAG Heuer Connected de 2015 (Geração 1) representa um dos movimentos mais audaciosos da horologia moderna. Posicionado não apenas como um gadget, mas como um legítimo instrumento de luxo, este modelo foi a resposta estratégica de Jean-Claude Biver para provar que a tradição secular e a tecnologia vestível poderiam coexistir. Destinado a um público que valoriza o prestígio da engenharia suíça mas recusa a alienação digital, o Connected apropriou-se da arquitetura robusta e reconhecível da linha Carrera, oferecendo uma experiência tátil e visual indistinguível de um relógio mecânico à distância. Ao contrário dos dispositivos de consumo de massa, o Connected foi desenhado com titânio de grau 2 e acabamentos de alta relojoaria, elevando a categoria de 'wearables' para o segmento premium. Sua filosofia de design baseava-se na 'eternidade opcional': a promessa de que a tecnologia efêmera não tornaria o objeto obsoleto, graças a um programa de troca inovador. Este relógio não é apenas um marco tecnológico; é o artefato histórico que sinalizou a adaptação darwiniana da relojoaria de luxo no século XXI.
HISTÓRIA
A gênese do TAG Heuer Connected, lançado oficialmente em 9 de novembro de 2015 em Nova York, deve ser entendida através das lentes da 'Segunda Crise do Quartzo'. Com a chegada dos smartwatches modernos, especialmente o anúncio da Apple, a indústria suíça paralisou diante do medo de obsolescência. Enquanto marcas como Patek Philippe e Rolex ignoravam a tendência, a LVMH, sob a batuta visionária e agressiva de Jean-Claude Biver, decidiu atacar. Biver proclamou que a Suíça não poderia perder o pulso das novas gerações. Para tal empreitada, a TAG Heuer não poderia agir sozinha; o 'savoir-faire' mecânico era inútil para criar placas de circuito. Assim nasceu uma 'trindade' improvável: a estética e construção da TAG Heuer, o poder de processamento da Intel e o ecossistema de software do Google (Android Wear).
O design escolhido foi crucial para o sucesso do modelo. Em vez de criar uma forma futurista alienígena, a marca utilizou a caixa do Carrera Heuer 01 como base. As garras facetadas, a luneta numerada e o volume da caixa de 46mm em titânio garantiram que, no pulso, o Connected tivesse a 'gravitas' de um cronógrafo mecânico suíço. As 'watch faces' digitais foram meticulosamente renderizadas para imitar o comportamento da luz sobre os mostradores sunburst e as sombras projetadas pelos ponteiros, criando uma ilusão de profundidade tridimensional.
No entanto, o aspecto mais revolucionário da história deste modelo não foi o hardware, mas a solução para o problema da obsolescência programada. Reconhecendo que um processador de 2015 seria inútil em 2020, a TAG Heuer ofereceu uma proposta de valor inédita: 'Connected to Eternity'. Após dois anos de garantia, o proprietário poderia levar o smartwatch a uma boutique, pagar uma taxa adicional (na época, US$ 1.500, o mesmo preço do smartwatch original) e trocá-lo por um relógio mecânico exclusivo: um Carrera Calibre 5 Edição Especial 'Connected', que nunca foi vendido separadamente ao público. Esta jogada de mestre acalmou os colecionadores puristas e validou o investimento inicial.
O sucesso foi avassalador, superando as previsões de vendas iniciais e forçando a marca a aumentar a produção. O Connected de 2015 pavimentou o caminho para as gerações subsequentes (Modular 45, Calibre E4), mas o modelo original (Ref. SAR8A80) permanece como o artefato histórico que rompeu o dique de resistência entre a alta relojoaria e o Vale do Silício.
CURIOSIDADES
O processador Intel Atom Z34XX dentro deste relógio é uma raridade histórica, já que a maioria dos smartwatches subsequentes migrou para chips Qualcomm Snapdragon, marcando o fim da breve incursão da Intel em wearables de pulso.
O relógio mecânico de troca, conhecido como 'Carrera Calibre 5 Connected Special Edition', possui uma caixa de titânio idêntica à do smartwatch e o texto 'Connected to Eternity' gravado, tornando-o hoje um item de colecionador mais raro que o próprio smartwatch.
Jean-Claude Biver, CEO na época, cortou teatralmente um queijo suíço durante o evento de lançamento para simbolizar a tradição 'Made in Swiss', mesmo que o interior do relógio fosse 'Made in Silicon Valley'.
O modelo original não possuía GPS integrado nem sensor de frequência cardíaca, focando puramente na extensão das notificações e na estética luxuosa.
A TAG Heuer desenvolveu aplicativos exclusivos para o lançamento, incluindo apps de cronometragem, golfe e parcerias com motoristas de corrida e celebridades para mostradores personalizados.
Com 46mm, ele foi criticado por alguns puristas pelo tamanho excessivo, mas o uso de Titânio Grau 2 fez com que pesasse apenas 52 gramas (sem a pulseira), surpreendendo pelo conforto.