RESUMO
No panteão da relojoaria moderna, poucas inovações são tão fundamentais quanto o mecanismo introduzido pela Breitling em 1923. Este modelo não representa apenas um relógio, mas uma mudança de paradigma funcional que redefiniu a utilidade do cronógrafo para profissionais. Sob a liderança visionária de Gaston Breitling, a marca identificou uma falha crítica nos monopulsadores da época: a incapacidade de parar e retomar a cronometragem sem zerar os ponteiros. Destinado inicialmente a um público exigente composto por pioneiros da aviação, engenheiros industriais e oficiais militares, este instrumento introduziu o conceito de 'tempo cumulativo'. Ao separar as funções de início/parada (acionadas por um botão independente a 2 horas) da função de reset (acionada pela coroa), a Breitling transformou o relógio de pulso de um mero acessório de moda em uma ferramenta de navegação e cálculo científico indispensável. Sua filosofia de design era puramente utilitária, focada na legibilidade e na interação tátil precisa, estabelecendo a ergonomia que se tornaria o padrão da indústria para o século seguinte. Para o colecionador sério, esta peça é o 'Elo Perdido' entre os cronógrafos de bolso do século XIX e a configuração moderna de dois botões que conhecemos hoje.
HISTÓRIA
A história do modelo de 1923 é, em essência, a história da obsessão de Gaston Breitling pela usabilidade. Para compreender a magnitude deste lançamento, é necessário revisitar o contexto de 1915, quando a Breitling já havia chocado o mundo ao lançar o primeiro cronógrafo de pulso com um botão independente a 2 horas. No entanto, aquele mecanismo inicial ainda operava sob a lógica sequencial rígida dos monopulsadores: Iniciar, Parar, Resetar. Não havia meio-termo. Se um piloto precisasse cronometrar a duração de voo, parasse para reabastecer e quisesse continuar a contagem, seria impossível sem perder os dados anteriores.
Em 1923, Gaston patenteou a solução que mudaria tudo. Ele modificou a arquitetura do movimento de roda de colunas para dissociar a alavanca de 'zeragem' do martelo de acionamento. Neste novo sistema, o botão às 2 horas servia exclusivamente para iniciar e parar o mecanismo quantas vezes fossem necessárias. O retorno a zero foi engenhosamente realocado para a coroa (ou, em raros modelos de transição, mantido num mecanismo coaxial). Isso permitiu, pela primeira vez na história da relojoaria de pulso, o registro de tempos sucessivos e cálculos de médias complexas.
Visualmente, os modelos desta era transicionavam da estética de relógios de bolso adaptados para designs de pulso dedicados. As caixas possuíam alças de arame soldadas e mostradores de esmalte de alta legibilidade, frequentemente adornados com escalas telemétricas devido ao uso militar pós-Primeira Guerra. Não havia um 'número de referência' unificado como nos tempos modernos; cada peça era muitas vezes montada sob encomenda para joalheiros ou varejistas de instrumentos científicos. O impacto deste modelo foi sísmico: ele preparou o terreno para que, em 1934, Willy Breitling (filho de Gaston) adicionasse o segundo botão às 4 horas, finalizando o layout do cronógrafo moderno. Sem a inovação de 1923, ícones como o Navitimer ou o Speedmaster jamais existiriam em sua forma atual.
CURIOSIDADES
O 'Add-Time': Este modelo introduziu o termo técnico de 'tempo aditivo' no léxico da horologia, uma função crucial para competições esportivas e voos com múltiplas etapas.
Autoria Disputada: Embora a patente seja de 1923, existem registros de protótipos experimentais datados do final de 1922, tornando a datação exata de peças sobreviventes um desafio para peritos.
Reset na Coroa: Ao contrário dos cronógrafos modernos onde o botão inferior reseta, a peculiaridade deste modelo é usar a coroa integrada para zerar, o que confunde muitos colecionadores novatos que tentam pressionar o botão superior para resetar.
Legado Olímpico: A tecnologia desenvolvida neste modelo foi rapidamente adaptada para cronômetros de mão usados em Jogos Olímpicos subsequentes, solidificando a reputação da Breitling na cronometragem esportiva.
Preço de Leilão: Exemplares originais de 1923 em ouro e em condição de museu são extremamente raros; quando aparecem em casas como Phillips ou Christie's, comandam prêmios significativos não pelo material, mas pela importância histórica do movimento.
Ausência de Branding: Muitos mostradores desta era não traziam o nome 'Breitling' visível, mas sim o nome do varejista ou marcas subsidiárias como 'Montbrillant', exigindo inspeção do movimento e da caixa para autenticação.